Quase tão naturalmente como espalhar os olhos pelo abundante verde minhoto, a empatia criou-se, principiando por um facto que vinha do reino encantado de Miguel Torga. É que todas éramos transmontanas! E assim a entrevistada se foi abrindo, falando de uma vida dura no campo, das noites a dormir ao relento no meio de um rebanho, da dor sem fim pela perda da mãe, da miséria, dos primeiros sapatos na adolescência. E depois seguiram-se as histórias da fuga para França, do choque cultural, da paixão, das traições da vida e da sorte de ser a mulher que é! E nós emocionadas, com o coração na garganta! Tanta abertura e confiança!
Escrevemos a história, mais preocupadas com o nó na garganta a denunciar cumplicidade do que nos factos que nos faltava saber! E viajámos juntas por cima dos penedos transmontanos, numa história que começou assim:
Por momentos deixo-me ir… Saio de Alvarães e o meu espírito viaja, viaja muito. O coração segue-o. Às vezes, deixa-se tropeçar pelas condições, ou falta delas, dos carreirinhos que vão dar a Ferreira, outras vezes renova-se nas margens do rio. Anda alguns quilómetros e para em Veiga, onde vivi um pouco da minha infância. Aí deixa escorrer algumas lágrimas e sente-se mais pequenino, mas depois enche-se novamente da força de que é feito, dá o salto e apanha o comboio que tem Paris como última paragem. Cresce e orgulha-se de si próprio.
Hoje recebemos um telefonema da protagonista. Falou-nos da surpresa, das lágrimas já vertidas e da enorme cumplicidade com a filha. Falou-nos de amor novamente, afirmando: "li logo o livro de uma vez, mas o meu marido disse: 'quero ler aos poucos para saborear melhor o livro porque aqui se fala também da minha vida!' Então, ele chegava do trabalho e lia todos os dias algumas páginas em voz alta. E ficávamos os dois a chorar porque parece que o nosso amor ainda cresceu mais ao recordarmos a nossa história!"
E não há agradecimento que pague este privilégio de aprendermos e crescermos com quem nos entrega um pouco da sua vida!