Mas, mais do que os locais e as experiências, marcam-me as pessoas que vou conhecendo, dentro ou fora de casa. Também marco encontros em bares de hotéis, em livrarias-cafetarias, em esplanadas, em casas de chá, em pastelarias ou em restaurantes. Já fui ao local de trabalho de algumas. Mas a maior parte delas, conheço-as em casa. É mais fácil assim apreender "o homem e a sua circunstância", usando a expressão de Ortega y Gasset.
E, por mais distintos que sejam os nossos caráteres ou situações de vida, há sempre um ponto de contacto, um terreno de xadrez, onde as minhas linhas verticais se intercruzam com as retas horizontais do meu interlocutor. Será sentido da nossa humanidade? Será noção de um destino comum? Será sede e fome de entendimento?
Tenho tido o privilégio de conhecer pessoas cuja zona de interseção é pequena, mas depois, com a relação e com a abertura de espírito, vai aumentando.
E tenho tido a sorte de conhecer outras com quem me identifico desde logo a um nível muito profundo.
Falo quase sempre de gente muito mais velha do que eu, de pessoas com grande experiência de vida.
Há exemplos que me fazem refletir profundamente acerca do que realmente importa, como a senhora que encontrou um homem que ama perto dos 80 anos e assumiu essa relação. Como a viúva que, perante o enorme desgosto causado pela perda do marido, vítima de cancro, meteu mãos à obra e passou a fazer voluntariado na Liga Portuguesa Contra o Cancro. Como o casal de médicos que decidiu mudar de vida e dedicar-se à humanização dos cuidados paliativos. Como a avó que me diz que nunca deixou de ser feliz, apesar do sofrimento que enfrentou (e posso garantir que não foi pouco!). Como o casal que opta pelo envelhecimento ativo: ele canta, dança e atua num coro e ela dedica-se energicamente a causas sociais. Como a mãe que, perante diagnóstico adverso da filha, escolhe viver com intensidade o tempo que lhe resta. Como o octogenário que continua a trabalhar na obra social que fundou e que diz que a única coisa que fica é aquilo que se faz pelos outros. E como tantas, tantas outras histórias. Umas contadas a viva voz, outras pressentidas nos detalhes.
Umas servidas com o chá, outras amargas como tangerinas verdes.
Todas dignas de ficarem escritas na memória coletiva.
Ao longo de cinco anos a escrever histórias de vida... estou cheia de vontade de ir a Macedo de Cavaleiros conhecer uma nova casa e os seus habitantes. E tantas outras casas que estão à minha espera sem eu saber...