
Seguindo uma espécie de ritual, os meus últimos cadernos têm sido todos oferecidos. Já não me lembro de comprar um e tenho alguns em lista de espera. Servem sobretudo para tirar notas e apontar tarefas e listas. Mas também servem para anotar ideias, frases e títulos de livros. Às vezes, embora com menos frequência, veem sair das suas páginas grávidas de brancura histórias rabiscadas e rasuradas. Uma linha reta morta à tesourada muito antes de ter hipótese de se endireitar. Porque nenhuma história é direita e todas se entrelaçam em errâncias e peregrinações por caminhos perdidos. Tão humanas. Tão minhas.
Quando estreei o meu último caderno, há poucos dias atrás, levei-o comigo a casa de um senhor que escreve poesia e sofre de cancro. A conversa que tivemos, eu e o senhor, foi tão tocante, que desejei colocá-la várias vezes em modo "pause" para anotar vários fragmentos no meu caderno. Não o fiz, claro. E essas frases perderam-se. As palavras que falavam do desespero de se lutar contra uma doença com tentáculos de morte escorreram para o esquecimento, obedecendo à mesma lei que fazia deslizar as lágrimas pelo rosto do homem.
E a poesia que dava sentido a uma existência ficou só registada nos poemas já escritos.
Cada coisa no seu lugar.
Naquele dia, a presença de corpo inteiro.
No meu caderno, a página em branco a atestar o meu respeito pela criação.
Na memória, um coração quente!