Quanto à viagem à Coreia, fruto de um prémio literário, foi tão rica em experiências e encontros que não resisto em partilhar um pouco convosco.
Apesar do cansaço e do jet lag, eu e a Rosa (amiga que vive na China e se juntou a mim nesta aventura) fomos passear por Seul logo que chegámos, visto que aterrámos na Coreia às 6H30 da manhã, e o primeiro impacto foi um prenúncio do "bom feeling" que nos acompanhou ao longo de toda a viagem.
Saímos do metro e vimos prédios enormes a rodear pequenos edifícios tradicionais; avenidas gigantescas que no meio do tráfego acolhiam motas e triciclos carregados de rolos muito maiores do que as suas dimensões; pessoas atarefadas e outras descontraidamente a tocar piano na rua (havia muitos espalhados pela rua devido a um evento cultural); comemos comida coreana por menos de 5€ e experimentámos o sabor picante que sempre a acompanha; bendizemos um por do sol magnífico e espantámo-nos com as palas e os guarda-sois que se viam pela rua a proteger as peles que se deveriam manter o mais brancas possível; entrámos no grande palácio da cidade, mas antes disso assistimos a uma esplendorosa parada dos guardas, com danças e música tradicional, descalçámo-nos para entrar num templo e visitámos o museu da cultura coreana; comemos um gelado e tirámos fotos ao estilo oriental - com os indicadores e os médios a apontar para a cara.
À noite, sofri as tormentas do jet lag, não sendo capaz de dormir mais de 4h, apesar do enorme cansaço.
No dia seguinte conhecemos um dos centros e o trabalho dos hospitaleiros Irmãos de São João de Deus que tão bem nos receberam - deram-nos guarida e muito mais, durante o tempo em que estivemos na Coreia. Tomámos com eles um delicioso capuccino e depois fomos novamente para o centro de Seul. O Irmão que nos acompanhava fez questão de nos deixar na paragem de autocarro e de esperar até ter a certeza que entrávamos no veículo certo. Depois, só tínhamos que sair na última paragem. Era fácil. Depois de muito tempo dentro do autocarro, o motorista imobilizou-o, disse qualquer coisa em coreano que nós não entendemos e foi para a rua fumar um cigarro enquanto nós e outros passageiros esperávamos. Achámos estranho e rimo-nos daquela atitude. Entretanto, a marcha recomeçou e a Rosa disse-me "já há pouco passámos num local com a palavra "casa" (são poucos as palavras em alfabeto romano, muito menos em "português") e foi então que eu percebi que estávamos a voltar para trás. Afinal, a última paragem tinha sido quando o senhor foi fumar! Que tótós!
Esse engano no único dia de chuva que apanhámos na Coreia fez-nos percorrer ruas que não aparecem nos roteiros turísticos e saborear pela primeira vez o Gimpop - espécie de sushi. Levou-nos à desativada estação de caminhos de ferro de Seul onde havia várias exposições de arte contemporânea e depois a um mercado que parecia não ter fim, onde vimos todo o tipo de souvenirs e um espaço lindo, com objetos handmade encantadores. Dali fomos à procura de um multibanco e percorremos o bairro de MyonDong, cheio de vida nas suas ruas pedonais. Depois andámos em círculos à procura da catedral, que afinal estava mesmo ali ao lado, mas já só lá entrámos de noite.
Quando saímos, havia tanto movimento nas ruas que nos deixámos passear e comprar comida na rua, pois havia imensas bancas de comida que se tinham instalado pelas ruas fora. Cansadas e entusiasmadas, ainda nos arrastámos até ao City Hall onde apanhámos o metro de volta a casa, onde não chegámos sem antes nos perder no belíssimo parque que tínhamos de atravessar.
No outro dia era feriado e o nosso cicerone, o Bro. John, fez questão de nos acompanhar, não sei se tanto pelo seu gosto em sair e passear se pelo medo que nós nos voltássemos a perder. Levou-nos a comer uma espécie de omeleta com polvo e verduras e a passear pela zona de Seul onde existem imensos templos budistas, Jogyesa, percorremos uma rua pedonal, Insadong, que quase rebentava pelas costuras com tanta gente que por lá andava a gozar o feriado. Depois percorremos um troço de um passeio fluvial, junto a um rio artificial, construído no séc. XIV, foi tão impressionante apreciar a arquitetura das pontes seculares como a performance de chapéus de chuva a brincarem com o sol. À noite, jantámos com ele e outro Irmão num restaurante do bairro onde estávamos hospedadas e adorámos os sabores das folhas de alface e sésamo que recheávamos com arroz, legumes, molhos e carne que era grelhada em cima da mesa. Metíamos esses rolos de uma vez à boca e podíamos regar o petisco com uma bebida alcoólica à base de arroz, da qual não gostei muito. Escusado será dizer que em cima de qualquer mesa, havia sempre Kimchi, couves conservadas em salmoura, com malaguetas e outros condimentos, que nós também costumávamos dispensar. Fora isso, adorávamos o resto!
No nosso quarto dia em Seul, passeámos por alguns bairros que conservam ainda a arquitetura tradicional, fizemos compras e deliciámo-nos com a comida, que partilhámos ao bom estilo coreano: normalmente são servidos vários pratos e toda a gente tira um pouco de cada. Depois fomos visitar outro palácio, mas ficámos desiludidas com o facto de já não se poderem visitar os jardins por as visitas guiadas estarem lotadas pois era precisamente para ver o enquadramento natural que ali tínhamos ido. Acabámos a tarde no Instituto da comida coreana, onde provámos alguns doces, que não me convenceram.
O quinto dia foi de viagem entre Seul e Gwangju. Antes de sair, fui dar um passeio no parque que rodeia a casa onde ficámos. Eu, que adoro caminhar, fiquei encantada com o número de pessoas que andava pelo parque e pelos montes a passear e pelas condições para esse tipo de atividade, com sinalização (que eu não percebia), trilhos delineados, ginásios ao ar livre, áreas de descanso, balneários e até ar com pressão para lavar as sapatilhas no final!
Quando entrámos no autocarro nem queríamos acreditar, os bancos eram muito mais confortáveis que os de um avião e o autocarro, embora fosse grande, não tinha mais de 25 lugares, tal era a dimensão e o conforto dos assentos. Toda a gente se descalçou e adormeceu, como nós. Havia autocarros a sair de 10 min em 10 min e, na área de serviço valeu-nos o conselho do Irmão: apontar o número do autocarro, caso contrário dificilmente saberíamos qual era o nosso.
Em Gwnagju fomos muito bem recebidas novamente pelos Irmãos de S. João de Deus.
O primeiro dia ali foi para conhecermos as obras do Irmãos e nos perdermos! Só saímos sozinhas para ir à estação, que ficava ao fundo da avenida onde estávamos, comprar bilhetes, mas conseguimos perder-nos! E o mais cómico é que tínhamos cartões com a nossa morada em coreano para podermos pedir ajuda, mas quando a Rosa se aproximou de um senhor e lhe mostrou o cartão, ele pegou no cartão, deu uma vista de olhos, agradeceu e foi-se embora, metendo o papel no bolso. E nós atrás dele a explicar que só queríamos indicações, mas de nada valeu porque ele achou que estávamos a fazer publicidade a alguma coisa...
Nessa noite tivemos uma experiência gastronómica inesquecível, num restaurante tradicional coreano, descalças e sentadas no chão, na companhia de duas simpáticas funcionárias do Hospital de S. João de Deus. Foram 18 pratos e uma explosão de sabores que nos levaram ao coração da gastronomia local!
No dia seguinte visitámos um cemitério e o respetivo museu que contava a história de centenas de cidadãos que em 1980 deram a vida pela democracia. Foi muito forte ver os vídeos e ouvir os sons, mas também pacificador queimar um pouco de incenso por eles. Também visitámos a aldeia do bambu e outra casa dos Irmãos. à noite jantámos paella com as simpáticas Irmãs Merecedárias e pela primeira vez falámos português com outras pessoas na Coreia, ainda que com sotaque do Brasil.
O nosso último dia em Gwangju foi aproveitado para irmos à montanha, num autocarro urbano cheio de seniores vestidos a rigor: traje desportivo da cabeça aos pés! Iam todos caminhar! A paisagem era soberba e a viagem despertou-nos boas gargalhadas. Na cidade, fomos comer, claro está Gimpop (espécie de sushi) e comprar fruta para a sobremesa do jantar, já que fomos convidadas para jantar com os Irmãos. No autocarro a caminho de casa, não sei porquê, mas uma senhora ofereceu-me um saco que continha uma enorme maçã e um doce de arroz, engrossámos assim o nosso contributo para a sobremesa! Nessa noite (acabámos de jantar às 19h!), saímos para passear e assistimos ao eclipse lunar. Pelo meio, comprei um corta-unhas! Eu andava há dias a queixar-me que precisava de cortar as unhas e aproveitei o facto de ver uma lojinha aberta para perguntar, o senhor entendeu-me, mas não tinha. No entanto, fechou a porta e foi a correr a outra loja arranjar-me o dito objeto! E nós ali ficámos na rua a contemplar o espetáculo da lua enquanto agradecíamos tanta generosidade!
No dia seguinte, partimos para a montanha de Geumsansa. A viagem de comboio foi ótima, com o revisor a virar-se e fazer vénia antes de sair da carruagem. Depois saímos numa cidade, onde apanharíamos o autocarro para a montanha. Ali perguntámos a umas senhoras onde era a paragem do autocarro cinco, elas por gestos explicaram-nos que era exatamente aquela, mas passaria dentro de 20 min. e parecia não haver mais. Ainda assim era hora de almoço e nós arriscámos atravessar a rua e ir comer algo ao restaurante, depois na montanha não devia haver onde comer. Quando a senhora do restaurante se aproximou de nós com os seis pratinhos diferentes e começou a depositá-los em cima da nossa mesa, connosco já a salivar, entra esbaforida a senhora que nos deu informações. Sem percebermos uma palavra, entendemos que ela tinha mandado o autocarro esperar por nós e que tínhamos de ir naquele instante. Pedimos desculpa e saímos a correr. Já lá dentro, divertidas e desoladas ao mesmo tempo, comentávamos em bom português, que ninguém entendia, que estávamos a morrer de fome. A nossa protetora saca da mochila e tira de lá um pacote de bolachas que nos oferece. Em troca, retribuímos com o nosso sorriso agradecido. E não é que na montanha havia um lindo lago rodeado de restaurantes? Lá nos fomos abastecer antes de irmos para o templo.
Ali, fomos informadas que a intérprete de inglês estava indisponível nesse dia, mas elas recorreram logo aos seus smartphones para traduzir a expressão "setienta mil won" que nós sabíamos que tínhamos que pagar. Depois entregaram-nos a vestimenta que devíamos usar o tempo todo e encaminharam-nos para os quartos, uma zona lindíssima em estreita ligação com a natureza, tanto que nessa noite a Rosa não fez mais nada além de perseguir baratas e centopeias, enquanto eu tentava em vão dormir (conforme o estilo tradicional, dormíamos no chão, mas com bastante conforto).
Tal como nós, havia mais 6 pessoas, todas coreanas, a fazer a experiência de Templestay. Ensinaram-nos a fazer as vénias e as regras e horários, tudo em coreano. Valeu-nos uma funcionária tailandesa que percebia um pouco de inglês e uma participante coreana, a Bola, que nos foram traduzindo o que conseguiram. Foi muito bonita a experiência, sobretudo o passeio matinal até um local que tem duas árvores com um mesmo ramo comum e que, segundo a tradição, abençoa os casais. E depois o passeio de mota até ao cimo da montanha, à boleia da tailandesa.
No regresso apanhámos boleia de uma família que connosco viveu essa experiência. Não só nos levaram ao terminal dos autocarros, como o senhor fez questão de nos ajudar a tirar os bilhetes e de nos acompanhar até à entrada no autocarro!
Os últimos dias em Seul foram para visita ao Memorial da Guerra coreano, impressionante pela história que reconstitui; um almoço com um franciscano inglês, que tinha sido chef noutra vida e que nos levou a passear pelos sabores e histórias vividas na Irlanda, um jantar na companhia de um simpático casal coreano, amigo do Bro. John, que nos acompanhou nesse dia pelo frenético Itaewon engrossado com a multidão que assistia ao Festival global. Visitámos ainda o Memorial dos Mártires Cristãos, comemos um gelado e fizemos as últimas compras. Enquanto a Rosa pintava o cabelo, eu aproveitei para ir novamente ao parque perto da casa dos Irmãos, cheguei a um miradouro fantástico e ali uma senhora fez questão de me levar a um templo que havia na montanha (todas as montanhas são para eles sagradas e têm que ter um templo). Já ali, queria que eu esperasse pelo almoço, como não quis, fez-me perceber que devia pelo menos entrar no templo e rezar um pouco. Assim o fiz, acompanhei-a e fiz as três vénias.
Nesse dia, a Rosa voltou para a China. Eu jantei no aeroporto com o Bro. John e voltei para casa a pensar na minha viagem no dia seguinte. Já estava a morrer de saudades!
No meu último dia, passeei sozinha ao longo de um troço da antiga muralha da cidade e apreciei as vistas fantásticas sobre Seul. Entrei num mercado de roupa com corredores super apertados e com tantas bancas e ruas sucessivas que parecia não ter fim. Fiz as últimas compras. Perdi-me pelas últimas vezes. Comi as últimas comidas. Voltei para casa. Agradeci de forma imperfeita pois não encontrei gestos nem palavras que acompanhassem as intenções de um coração agradecido. Jantei com os Irmãos e depois fui com eles até ao aeroporto de Gimpo, onde apanhei o autocarro para o aeroporto de Incheon.
E assim me despedi de um local onde nunca tinha pensado ir e não sei para que sítios me levará...