É claro que podia, as coisas importantes não precisam de agenda e nunca se atrasam.
Cheguei e fiquei consternada. Quase não disse nada. Ainda assim, ousei ficar em silêncio. Eu sabia. Ele sabia. A mulher dele sabia. Mas não falámos sobre isso. E sobre o livro dele muito pouco também. Só o estritamente necessário.
Saí pouco tempo depois. O hospital era novo, confortável, limpo, impecável. Os meus olhos começaram então à procura da indicação de uma capela porque o meu espírito precisava de extravasar. Ou de chorar. Na velhinha maternidade onde há uns anos estive internada havia uma capela e isso dava uma certa personalidade àquele local tão cheio de problemas.
Na sexta-feira passada, eu queria rezar. Enviar uma mensagem positiva para o universo e talvez dizer-lhe que acolhesse o meu amigo como uma mãe que enrosca no seu colo o seu recém-nascido. Afinal, não ia ele nascer?
Mais tarde, projetei escrever aqui sobre as histórias tristes. Tenho escrito sobre tanta vida e ainda não conheci nenhuma que fosse perfeita. E as mais bonitas, aquelas que me fizeram viajar para dentro de outros mundos subterrâneos, foram aquelas em que conseguimos falar de infelicidade, de morte, de perda. Porque quando se consegue falar é porque já se domesticou. Já se passou ou se está a passar para o avesso dos problemas. Quis escrever aqui, mas não o fiz. Adiei o projeto.
Ontem soube que ele morreu. Na hora certa, porque a morte não se atrasa nem adianta. Apesar de... dos planos que faltava cumprir... da idade não ser muita... da incompreensão.
E nós cá ficamos a tentar aprender a falar.