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O anjo da ponte de Austerlitz

28/2/2018

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Debruçado na ponte de Austerlitz, via o meu reflexo na água… O desespero era um bicho selvagem e a imagem que via espelhada nas águas ainda me deixava mais aflito. Aquele vulto esquelético, roto e sujo, com rosto desfigurado, de olheiras escuras e lábios rebentados de fome e frio era outro eu, que me custava a reconhecer e aceitar. Pensei:
- Acho que vou ter com aquele ali em baixo e acabo tudo.
Antes de ceder à angústia e me abandonar, o meu pensamento focou-se então na única esperança de um milagre: Nossa Senhora de Fátima. Roguei-lhe:
- Nossa Senhora de Fátima, se eu conseguir sair disto e singrar na vida, apesar da dificuldade que tenho nesta perna, prometo que, quando puder voltar a Portugal, vou a pé de minha casa a Fátima, as vezes que puder.
Nesse momento, caí para trás, como se alguém me tivesse empurrado. Provavelmente, desfaleci com a fome e a fraqueza e desequilibrei-me. Bati com a cabeça na esquina do passeio e comecei a sangrar.
Estava a levantar-me e a sentar-me, quando ouvi uma voz, que devia ser de um anjo:
- Você é português?
Era um homem dos seus trinta anos. Já não devia ser o primeiro compatriota que encontrava na miséria.
- Sou – respondi.
- Está aqui sozinho? Não tem para onde ir?
- Estou só e não tenho para onde ir.
- De onde é?
- Da zona do Porto…
- E não tem a morada de ninguém?
- Não… - não tinha forças para lhe contar a minha longa história, pelo que atalhei:
- Estou aqui ao abandono, já ando às voltas há muitos dias, ou melhor semanas, não tenho para onde ir…
- Venha comigo…
Levou-me à cafetaria da grande estação de comboios, encomendou para mim um prato de batatas fritas com bife. Era a primeira vez que comia semelhante iguaria, em minha casa a carne era rara. Pagou e disse:
- Você coma.
Levou-me depois para casa dele, na Place d'Italie. Não era uma casa, antes um quartito, no último andar de um prédio, com uma cama velha e uma caixa de cartão virada ao contrário a fazer de mesinha de cabeceira.
Tinha ainda um pequeno fogão a gás, onde cozinhou esparguete para levar na marmita para o almoço do dia seguinte. Quando me ofereceu, lambuzei-me com o petisco.
Enquanto comíamos, ele disse:
- Você vai ficar aqui comigo. Havemos de nos desenrascar. Eu trabalho de pá e pica e vou ver se na obra lhe consigo arranjar alguma coisa. Anda lá uma equipa a construir uma escola em pré-fabricado e pode ser que precisem de alguém.
- Eu sou carpinteiro - esclareci.
Em Portugal, eu era torneiro, mas o trabalho era com madeiras, sabia fazer de tudo.
- Há carpinteiros, pode ser que precisem de mais alguém.
No dia seguinte, antes de sair para o trabalho, com ar muito sério, o homem tirou um embrulho da “mesinha de cabeceira” improvisada e disse-me:
- Isto que está aqui é para eu no sábado mandar para a minha mulher e para os meus filhos em Portugal. Está aqui e fica à sua responsabilidade, vou confiar em si. Fica na sua consciência.
Depois de tirar 10 francos, arrumou o maço de notas no mesmo sítio e chamou-me à janela:
- Está a ver aquela loja ao fundo? É a padaria, ao lado fica o talho. Quando abrir, às 10 horas, você vai lá, leva este dinheiro e este papel onde tem escrito o que preciso. Entrega este bilhete e com 10 francos compra o que preciso para logo à noite poder fazer a comida.
Depois saiu para ir trabalhar, deixando-me sozinho. Quando chegou a casa ao fim do dia, eu não tinha ido buscar nada.
- Então não fez o recado que lhe pedi?
- Não.
- Mas agora já está fechado. O que é que vamos comer?
- Olhe, se você não me tinha dito nada, eu tinha ido. Mas tive medo que quando saísse alguém lhe viesse cá roubar o seu dinheiro e não saí daqui. Estive aqui todo o dia fechado a guardar. Não tive coragem. Tive medo que houvesse a possibilidade de ser acusado de um roubo.
O homem fez outra vez esparguete e enquanto comíamos massa sem nada, anunciou-me:
- Olhe, tenho uma boa notícia para si. Se calhar, já lhe arranjei trabalho.
No outro dia, apresentou-me a uma equipa que andava a montar pré-fabricados. Trabalhavam lá dois portugueses e um francês, que era filho do patrão. Eles precisavam de um quarto elemento porque alguém tinha falhado e aceitaram-me.
O filho do patrão arranjou-me alojamento e passei a habitar a 40 ou 50 km de Paris, muito longe do meu benfeitor. Ficava numas águas-furtadas, onde até faltavam telhas, mas depois de tudo o que tinha passado, já era muito bom.
No segundo dia, estava a trabalhar e o homem que me ajudara dirigiu-se a mim e disse-me:
- Eu já acabei aqui o meu trabalho. Venho despedir-me de si.
- Por favor, deixe-me ficar a sua morada de Portugal que um dia, se Deus quiser, hei de procura-lo lá.
Pegou num lápis e escreveu num pedaço de papel que rasgou de um saco de cimento a morada e o nome. Só fixei que era de S. João da Madeira.
Meti aquilo ao bolso e à noite quando o retirei, vi que com a transpiração e o desgaste estava elegível.
Mais ninguém o conhecia nem sabiam onde ele morava. E eu era incapaz de reconstituir o caminho até ao seu prédio na Place d´Italie.
Talvez fosse mesmo um anjo mandado pela Nossa Senhora, que desapareceu depois de cumprir a sua missão. Talvez o céu o tenha recompensado de tanto bem que me fez.
Mas eu, que já cumpri a minha promessa várias vezes, vivo com um desejo profundo de ainda poder reencontrar o homem que me tirou da sargeta e de lhe contar que na minha fuga a salto para França fora primeiro enganado pelo passador e ficara depois retido na alfândega francesa por ser menor de idade. Não desistindo, fugi aos guardas fronteiriços e consegui chegar a Paris sem dinheiro e sem a morada do meu tio, que ficara com o meu irmão quando fomos separados na alfândega.
E gostava de lhe dizer sobretudo que consegui atingir os meus objetivos e hoje estou bem na vida e que nunca esquecerei a forma da mão que me levantou, a mesinha de cabeceira de cartão e o sabor do esparguete que me alimentou a esperança na bondade humana.
Tudo o que acerca do meu benfeitor é que terá hoje perto de 80 anos, vivia na Place d'Italie, perto da estação de Austerlitz, em 1971 e era de S. João da Madeira.
 
 
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